quarta-feira, 24 de março de 2010

FORMAS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS COLETIVOS DE TRABALHO

FORMAS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS COLETIVOS DE TRABALHO: ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA X ARBITRAGEM OBRIGATÓRIA

Hélio Mário de Arruda
(Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 17a. Região (Espírito Santo); Professor da Universidade Federal do Espírito Santo e da Escola da Magistratura do Trabalho do Espírito Santo; membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

1. Introdução
A Constituição da República coloca entre os direitos dos trabalhadores o "reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho" (art. 7°, XXVI), ou seja prioriza a negociação coletiva para a solução pacífica das controvérsias. A negociação coletiva de trabalho exige obrigatoriamente a participação dos sindicatos (art. 8°, VI), valorizando a atuação sindical organizada.
Se a negociação não lograr êxito, exsurgirá a necessidade das partes elegerem árbitros (arbitragem voluntária), ou uma das partes ajuizar o dissídio coletivo perante a Justiça do Trabalho (arbitragem obrigatória), tudo nos exatos termos dos §§ do artigo 114 da Carta Magna.
A arbitragem voluntária, recentemente regulada pela Lei n° 9.307, de 23 de setembro de 1996, tem por objetivo dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, entre os quais se situam os direitos que surgem dos embates das categorias profissionais e econômicas, exigindo o estabelecimento de normas e condições a que se refere o texto constitucional pátrio.

2. A negociação coletiva de trabalho

A negociação coletiva de trabalho tem início com a apresentação da proposta constante da pauta de reivindicações fixada na assembléia geral da categoria. Segue-se a contraproposta e reuniões para discussão da matéria com a mediação da Delegacia Regional do Trabalho ou do Ministério Público do Trabalho.
Cabe aos trabalhadores, nos termos da Constituição, decidir sobre a oportunidade do exercício do direito de greve, todavia a Lei n° 7.783, de 28 de junho de 1989, em seu artigo 3°, somente faculta a cessação coletiva de trabalho (a greve), após "frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recurso via arbitral."
A greve é um meio legal de coerção social e econômica dos trabalhadores em relação ao patronato, objetivando forçar o empregador a sentar à mesa de negociação e atender, total ou parcialmente, às reivindicações da categoria profissional.
A negociação exige intensa atuação dos órgãos sindicais, de suas lideranças, das comissões de negociação e do comando de greve.

3. A arbitragem obrigatória

A arbitragem obrigatória se revela na atuação da Justiça do Trabalho compondo o litígio coletivo de trabalho, se provocado por uma das partes ou mesmo pelo Ministério Público do Trabalho, após frustrada a negociação ou a solução arbitral voluntária.
Essa atuação tem disciplina da CLT, em leis, decretos-lei, medidas provisórias e na Instrução Normativa n° 04, do Tribunal Superior do Trabalho.
Em artigo publicado no Repertório de Jurisprudência IOB - 1 a. Quinzena de Fevereiro de 1997 - n° 3/97 - Caderno 2, págs. 50/49, sob o título "Dissídio Coletivo - Poder Normativo da Justiça do Trabalho" afirmou que:
"O poder normativo da Justiça do Trabalho é acusado de inibir a atuação sindical na negociação coletiva e impedir a eficácia da greve como meio de pressão, e outro fator conjuntural seria o perfil conservador da composição do Tribunal Superior do Trabalho. As categorias econômicas, por sua vez, vêm com desconfiança a atuação dos Tribunais Regionais, e criticam os "Precedentes Normativos", que cristalizam a jurisprudência dos tribunais, como um fator que impede a livre negociação.
Ao Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, a lei atribui a competência de dar efeito suspensivo ao recurso interposto, causando frustração às categorias profissionais contempladas com sentenças favoráveis de Regionais ou mesmo da Seção Especializada de Dissídios Coletivos.
O direito de greve, por outro lado, tem se revelado incompatível com o dissídio coletivo; os dois institutos jurídicos se atritam dentro de um estado de direito. Logo que a greve é declarada, os empresários suspendem as negociações e apelam para a Justiça do Trabalho; ou por outro lado, a Justiça do Trabalho decide o dissídio coletivo e os trabalhadores teimam em ignorá-la e decidem continuar em greve."

A arbitragem obrigatória tem significado verdadeira "camisa-de-força" para as entidades sindicais dos trabalhadores, que acusam o Judiciário de extinguir processos sem julgamento de mérito a qualquer pretexto, a tal ponto de crescer o posicionamento que defende a extinção do dissídio coletivo e, em conseqüência a extinção do Poder Normativo da Justiça do Trabalho.
À prevalecer a proposta contida no PEC (Proposta de emenda constitucional) n° 96/92, em debate no Congresso Nacional restará às partes a solução negociada do conflito coletivo do trabalho ou a arbitragem voluntária, na forma de arbitragem de interesses, "interest arbitration" (EUA). À Justiça do Trabalho restará o julgamento dos dissídios coletivos de natureza jurídica e declaração quanto à abusividade da greve, não mais prevalecendo o poder normativo de "estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho".

Há, contudo que se observar que os procedimentos relativos aos dissídios coletivos sempre tiveram origem autoritária, primeiro a CLT instituída por decreto-lei do período ditatorial do Presidente Getúlio Vargas, e normas suplementares vindas em decreto-lei da época da ditadura militar, tal como o decreto-lei n° 15, de 29.07.66, com alterações do decreto-lei n° 17, de 22.08.66, e em medidas provisórias como a de n° 1540 (arts.° 11 a 14), sempre reeditada.

Atendendo determinação do decreto-lei n° 17/66, o Tribunal Superior do Trabalho, baixou os Prejulgados n° 38 e 56, a Instrução n° 1/82 e na mesma diretriz a vigente Instrução Normativa n° 04, de 8 de junho de 1993, regulando o procedimento nos dissídios coletivos de natureza econômica.

O procedimento do dissídio coletivo nunca mereceu uma adequação para o estado de direito. A crise do Poder Normativo da Justiça do Trabalho não resulta justamente deste descompasso da existência de um instituto de característica autoritária dentro de um estado que se pretende democrático?

4. A arbitragem voluntária.

Dada a perspectiva da extinção do poder normativo da Justiça do Trabalho, há que ser aprofundado o estudo acerca da arbitragem voluntária, objeto da Lei n° 9.307, de 23 de setembro de 1996.
A arbitragem para fixar ou rever normas coletivas certamente que será fundamentalmente de equidade, mas em algumas questões a arbitragem será de direito quando o árbitro será o intérprete do que a lei dispõe, v.g. na aplicação da política salarial governamental (art 2°).
Haverá necessidade da convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória (convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato) e o compromisso arbitral (convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial) (arts. 3°, 4° e 9°).
O árbitro ou árbitros serão escolhidos de comum acordo entre os litigantes (art. 13, § 1°).
Qualquer pessoa capaz pode ser árbitro desde que tenha a confiança das partes. É dever de o árbitro proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição (art. 13, § 6°).
As partes poderão fixar os honorários do árbitro (art. 11, VI); não havendo estipulação, o árbitro requererá ao órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar, originariamente, a causa que os fixe por sentença (art. 11, Parágrafo único).
O árbitro é juiz privado (juiz de fato e de direito) e a sentença (laudo arbitral) que proferir não fica sujeito a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário (art. 18).
No procedimento arbitral serão sempre respeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e do seu livre convencimento (art. 21, § 2°).
A sentença arbitral tem como requisitos obrigatórios o relatório, a fundamentação sobre a matéria de fato e de direito, com a menção expressa, se os árbitros julgaram por eqüidade, o dispositivo, a data, o lugar onde foi proferida e a assinatura do árbitro ou de todos os árbitros (art. 26).
A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver (art. 27).
Da sentença arbitral cabe, em 5 dias, pedido de correção de erro material e embargos declaratórios (art. 30).
A sentença arbitral poderá ser anulada pelo Poder Judiciário, a pedido da parte interessada, no prazo de 90 dias, nas hipóteses de:
(a) nulidade do compromisso;
(b) ter emanado de árbitro impedido ou suspeito;
(c) não contiver os requisitos obrigatórios da sentença arbitral;
(d) se extrapolou dos limites da convenção de arbitragem;
(e) se a sentença decidiu aquém do pedido (citra petita);
(f) em casos de prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
(g) proferida fora do prazo e
(h) em caso de desrespeito aos princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento (art. 33, caput e §§ 1° e 2°).
A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser argüida na execução judicial, mediante ação de embargos do devedor (art. 33, § 3°).
Demócrito Ramos Reinaldo Filho, in Teia Jurídica da Internet (http://www.teiajuridica.com/artigos.html#ProcessualCivil), em artigo intitulado "A Arbitragem como Forma Alternativa de Solução de Conflitos", destaca como vantagens do procedimento arbitral:
"a) a celeridade, como decorrência da simplificação do procedimento e extinção de formas processuais solenes;
b) o sigilo, evitando que se exponham fatos e documentos que, pela sua natureza, possam ensejar influências externas que prejudiquem a isenção de ânimos na composição do litígio, diferentemente dos processos que são julgados em sede judicial, onde a regra geral é a da publicidade dos atos processuais, não aplicável somente aos casos previstos em lei;
c) o não cabimento de recurso das decisões arbitrais, o que repercute no resultado imediato da decisão, ao contrário do que ocorre na sentença judicial; e
d) como diferencial vantagem entre um sistema e outro, a liberdade das partes na escolha da pessoa habilitada para julgar a causa (o árbitro), o que confere a neutralidade do julgador escolhido e, por conseguinte, uma maior segurança quanto à sua imparcialidade, podendo se acrescentar ainda a circunstância de que, sendo o árbitro por vezes detentor de conhecimentos especializados, traz à decisão uma maior precisão técnica.

A tentativa do resgate da arbitragem atende, portanto, a uma necessidade de se oferecer uma via alternativa ao jurisdicionado, que se pode revelar mais adequada para a solução de litígios de natureza patrimonial privada, reservando-se ao Judiciário a competência para processar e julgar as lides que envolvam direitos e interesses indisponíveis, de cunho social, político ou institucional, em que o controle da legalidade deva ser exercido como exigência do interesse coletivo. "(os grifos são nossos).

Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, em "A Nova Lei de Arbitragem", publicada in Repertório de Jurisprudência IOB - 1 a. Quinzena de Abril de l997 - n° 7/97 - Caderno 3 - Pagina 132, considera a arbitragem "mais rápida, menos formal, mais flexível e menos custosa. A confidencialidade pode ser mantida, e os árbitros deverão, via de regra, ser pessoas melhor especializadas que os tribunais judiciais nas questões práticas comerciais internacionais, usos e costumes etc."

5. Conclusão
Analisando as vantagens e desvantagens da arbitragem do ponto de vista específico do conflito coletivo de trabalho, considero que a arbitragem implica em maior celeridade na solução do litígio porque afasta a possibilidade de recurso contra a sentença arbitral, salvo em casos específicos como acima mencionado; a arbitragem não é menos custosa que a solução judicial em razão de serem extremamente baixas as custas processuais; os árbitros não serão mais especializados do que já são os tribunais do trabalho; a arbitragem não garantirá decisões normativas mais favoráveis para as categorias profissionais do que as atuais oriundas da Justiça do Trabalho.

De tudo o que foi exposto, concluo que o dissídio coletivo deverá ser repensado, porquanto a CLT é excessivamente parca de normas acerca do seu procedimento, dando escanchas a regulamentação oriunda do próprio Tribunal Superior do Trabalho, como o antigo Prejulgado n° 56, a Instrução n° 1/82 e a atual Instrução n° 04, de 8 de junho de 1993, ou pelo Executivo autoritário, disso sendo exemplo, os decretos-lei do regime militar e as medidas provisórias do Presidente Fernando Henrique.

É de todo necessário que o Congresso Nacional legisle sobre as normas de procedimento do dissídio coletivo, dando-lhes um conteúdo democrático, com inteiro respeito ao princípio do contraditório, da indispensável instrução processual principalmente mediante perícias contábeis e econômicas além de inspeções judiciais, delimitando ainda os exatos contornos do poder normativo, ou seja do Judiciário poder criar a norma para reger as condições gerais de trabalho das categorias envolvidas.

É imprescindível rever o sistema recursal em matéria de dissídios coletivos, dificultando a interposição de recursos e prestigiando as decisões dos tribunais regionais do trabalho.

Não há, pois como abdicar do arbitramento judicial em favor da privatização do judiciário mediante a utilização da arbitragem voluntária de que trata a Lei n° 9307/96, que não melhorará qualitativamente a solução das controvérsias resultantes dos conflitos coletivos de trabalho. O caminho certo é dotar a Justiça do Trabalho de mecanismos apropriados para bem exercer o Poder Normativo. Em matéria de direito coletivo do trabalho por certo que a adoção da arbitragem privada em nada garantirá uma melhor solução dos conflitos coletivos, salvo quanto a celeridade do julgamento.

Fonte: http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&q=%22dissidios+coletivos%22+direito+processual+do+trabalho&start=20&sa=N

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