quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

comentários sobre mudanças na liquidação de sentença e a introdução do cumprimento de sentença

01- Introdução

A efetividade do Direito é o sonho de qualquer sério processualista. Legislações que se proponham à consolidação de tal meta devem ser sempre olhadas com respeito. Uma análise apurada, que aponte avanços e equívocos da Lei 11.232/05, a lei que alterou profundamente o processo de execução no Brasil, é o escopo deste breve articulado.

A Lei 11.232/05 foi publicada em 23/12/05, sendo certo que houve previsão no corpo da lei de entrada em vigor no prazo de 06 meses. A legislação em comento não se reporta à alterações apenas na execução. Embora este seja seu principal objetivo, há também mutações pontuais na sentença e na coisa julgada, bem como na liquidação.

A grande novidade advinda com a Lei 11.232/05 é a fixação do regime de cumprimento de sentença, isto é, uma busca por um rito mais célere e eficaz para as execuções de sentenças fulcradas em obrigação por quantia certa. Destaque-se também a fixação de elencos especiais para a delimitação de títulos executivos judiciais e extrajudiciais, bem como a inserção de nóveis contornos para a execução provisória.

02- Liquidação de sentença

Com a Lei 11232/05, a liquidação de sentença passou a ser tratada pelo artigo 475 nos itens de "A" até "H".

A redação dos dispositivos em comento está lançada da seguinte forma:

Art. 475-A. Quando a sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação.

§ 1o Do requerimento de liquidação de sentença será a parte intimada, na pessoa de seu advogado.

§ 2o A liquidação poderá ser requerida na pendência de recurso, processando-se em autos apartados, no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o pedido com cópias das peças processuais pertinentes.

§ 3o Nos processos sob procedimento comum sumário, referidos no art. 275, inciso II, alíneas ‘d’ e ‘e’ desta Lei, é defesa a sentença ilíquida, cumprindo ao juiz, se for o caso, fixar de plano, a seu prudente critério, o valor devido.

Art. 475-B. Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo.

§ 1o Quando a elaboração da memória do cálculo depender de dados existentes em poder do devedor ou de terceiro, o juiz, a requerimento do credor, poderá requisitá-los, fixando prazo de até trinta dias para o cumprimento da diligência.

§ 2o Se os dados não forem, injustificadamente, apresentados pelo devedor, reputar-se-ão corretos os cálculos apresentados pelo credor, e, se não o forem pelo terceiro, configurar-se-á a situação prevista no art. 362.

§ 3o Poderá o juiz valer-se do contador do juízo, quando a memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão exeqüenda e, ainda, nos casos de assistência judiciária.

§ 4o Se o credor não concordar com os cálculos feitos nos termos do § 3o deste artigo, far-se-á a execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador.

Art. 475-C. Far-se-á a liquidação por arbitramento quando:

I – determinado pela sentença ou convencionado pelas partes;

II – o exigir a natureza do objeto da liquidação.

Art. 475-D. Requerida a liquidação por arbitramento, o juiz nomeará o perito e fixará o prazo para a entrega do laudo.

Parágrafo único. Apresentado o laudo, sobre o qual poderão as partes manifestar-se no prazo de dez dias, o juiz proferirá decisão ou designará, se necessário, audiência.

Art. 475-E. Far-se-á a liquidação por artigos, quando, para determinar o valor da condenação, houver necessidade de alegar e provar fato novo.

Art. 475-F. Na liquidação por artigos, observar-se-á, no que couber, o procedimento comum (art. 272).

Art. 475-G. É defeso, na liquidação, discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou.

Art. 475-H. Da decisão de liquidação caberá agravo de instrumento." (NR)

Exposto o dispositivo, insta fazer firmes obtemperações sobre o tema.

A liquidação, via de regra, é um procedimento prévio à execução. Torna-se necessária nos casos de sentenças que fixam condenações sem adrede liquidez.

Com efeito, o pedido em uma inicial deve ser certo e determinado, sendo vedados pedidos genéricos. Este é o ditame do caput do art. 286 do CPC. Ocorre que, nas hipóteses dos incisos I, II e III, do art. 286 do citado Codex, admite-se a feitura de pedidos genéricos, os quais normalmente comportam uma liquidação que antecede a execução de eventuais julgados.
Cumpre dizer que o réu em liquidação deve ser intimado através de seu advogado. A citação do executado não é o que se extrai da literalidade da Lei 11.382/06. Secretarias Judicais que ainda incorrem em tal prática cometem um grave equívoco!

Tentando dar celeridade à liquidação, importa dizer que ela pode ser requerida na pendência de recurso. Assim ocorrendo, deverá ser efetivada em autos apartados no Juízo a quo.

No rito sumário não cabe liquidação. Desta forma, sentenças em causas submetidas ao rito do art. 275 não podem ser ilíquidas, devendo o juiz arbitrar valores pautados em critérios de razoabilidade e equidade.

Mister fazer breves disceptações sobre o caso do cálculo de liquidação depender de dados que o credor não possui consigo.

Trata-se de hipótese comum, por exemplo, quando o memorial de cálculos depender de dados existentes em poder do devedor ou de terceiro, cabendo ao juiz delimitar o prazo de 30 dias para a entrega de tais informes. Se tais dados (sem justificativa plausível) não forem disponibilizados, serão considerados corretos os cálculos apresentados pelo credor. Na hipótese do terceiro reter indevidamente informações úteis para os cálculos da liquidação, cabe ao juiz determinar a medida de busca e apreensão.

Importa ainda dizer que se os cálculos apresentados pelo credor forem reputados pelo juiz como excessivos, pode este, de ofício, determinar que o contador judicial faça os cálculos.

Mais uma dúvida merece ser esclarecida. E se o credor não concordar com os cálculos feitos pelo contador judicial?

Neste caso, pode o credor requerer que a execução se processe com base nos valores determinados pelo seu primaz cálculo, mas eventuais penhoras sobre bens do executado têm por base o valor fixado pelo contador judicial.

A liquidação pode ser dar de 03 formas:

- Por cálculo aritmético;

- Por arbitramento;

- Por artigos.

A liquidação por cálculo aritmético tinha praticamente sido extinta na antiga sistemática processual de execução, retornando com a Lei 11.232/05. Um dos casos de seu manejo já foi acima mencionado, isto é, na hipótese de cálculos feitos pelo credor com os quais o juiz não concorde.

Além disto, insta lembrar que a liquidação por cálculo pode se dar nos casos em que o credor for contemplado pela assistência judiciária. Tal medida é muito profícua e está plenamente antenada com os mais hodiernos ditames de acesso à Justiça. A primeira onda renovatória fixada por Mauro Cappelletti diz respeito justamente à facilitação do acesso aos mais carentes. Pessoas pobres não podem ter suas execuções travadas pela impossibilidade de contratar peritos particulares para proceder aos cálculos. Resta saber se as Contadorias Judiciais estão preparadas para atingir, com esmero, tal encargo...

A liquidação por arbitramento se dá quando houver determinação na sentença ou convenção pelas partes, bem como quando o tipo de litígio especialmente exigir tal hipótese. Um bom paradigma disto pode se dar nos casos de sentenças que necessitem de provas periciais para serem executadas. Isto pode ocorrer, por exemplo, nas sentenças que condenem o réu nas chamadas "ações universais", isto é, nas quais o réu seja condenado a empregar valores em bens que não são passíveis de mensuração individual.

A liquidação por arbitramento reclama a atuação de um perito, sendo certo que os custos da perícia são firmados com base no disposto no art. 33 do CPC.

O perito [01] tem um prazo determinado pelo juiz para a apresentação de um laudo. Apresentado o laudo, as partes têm 10 dias para se manifestar. A não manifestação gera preclusão do direito de se opor ao laudo por parte do inerte. Dependendo da complexidade do caso, pode o juiz inclusive fixar especial audiência de instrução e julgamento só para auxílio na instrução do feito. Cada parte poderá, então, arrolar testemunhas 10 dias antes da audiência (CPC, art. 407). Este incidente processual deverá ser decidido pelo juiz, encerrada a instrução, no prazo de 10 dias (CPC, art. 189, II).

A liquidação por artigos é necessária sempre que o valor da condenação em sentença depender de apuração a ser determinada por dilação probatória que permita alegações e fatos novos. Isto é comum, por exemplo, em condenações advindas de erros médicos que eventualmente deixam sequelas incapazes de serem totalmente delitimadas nos primeiros exames médicos da vítima.

A liquidação por artigos é, com efeito, um mini processo de cognição. Tanto é assim que é regida por dispositivos do procedimento comum ordinário (CPC, art. 272).

Findando a explanação sobre liquidação, cabe ressaltar que é proibido, na liquidação, discutir de novo a lide ou modificar a sentença já fixada. Sobre o recurso cabível contra decisões na liquidação, trata-se de uma decisão interlocutória que enseja agravo de instrumento.

03- Cumprimento da sentença

Certamente a mudança mais impactante trazida pelo advento da Lei 11.232/05 é a introdução do rito do "cumprimento de sentença" na processualística patria, um tertius entre processo de cognição e execução. Os títulos executivos judiciais serão agora não propriamente executados, mas sim "cumpridos". Por óbvio, tal guinada legal tem um fito imediato: a promoção da celeridade e da efetividade no processo civil pátrio.

O cumprimento de sentença acrescentou no artigo 475 do CPC as alíneas "I" até "R". Tais dispositivos foram redigidos da seguinte maneira:

Art. 475-I. O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo.

§ 1o É definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo.

§ 2o Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta.

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

§ 1o Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.

§ 2o Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo.

§ 3o O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados.

§ 4o Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante.

§ 5o Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte.

Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:

I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;

II – inexigibilidade do título;

III – penhora incorreta ou avaliação errônea;

IV – ilegitimidade das partes;

V – excesso de execução;

VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.

§ 1o Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

§ 2o Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação.

Art. 475-M. A impugnação não terá efeito suspensivo, podendo o juiz atribuir-lhe tal efeito desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.

§ 1o Ainda que atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao exeqüente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos.

§ 2o Deferido efeito suspensivo, a impugnação será instruída e decidida nos próprios autos e, caso contrário, em autos apartados.

§ 3o A decisão que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação.

Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:

I – a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;

II – a sentença penal condenatória transitada em julgado; [02] [03]

III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo;

IV – a sentença arbitral;

V – o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente; [04]

VI – a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;

VII – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal.

Parágrafo único. Nos casos dos incisos II, IV e VI, o mandado inicial (art. 475-J) incluirá a ordem de citação do devedor, no juízo cível, para liquidação ou execução, conforme o caso.

Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas:

I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;

II – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento;

III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.

§ 1o No caso do inciso II do deste artigo, se a sentença provisória for modificada ou anulada apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a execução.

§ 2o A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada:

I – quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade;

II – nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.

§ 3o Ao requerer a execução provisória, o exeqüente instruirá a petição com cópias autenticadas das seguintes peças do processo, podendo o advogado valer-se do disposto na parte final do art. 544, § 1o:

I – sentença ou acórdão exeqüendo;

II – certidão de interposição do recurso não dotado de efeito suspensivo;

III – procurações outorgadas pelas partes;

IV – decisão de habilitação, se for o caso;

V – facultativamente, outras peças processuais que o exeqüente considere necessárias.

Art. 475-P. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante:

I – os tribunais, nas causas de sua competência originária;

II – o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição;

III – o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral ou de sentença estrangeira.

Parágrafo único. No caso do inciso II do caput deste artigo, o exeqüente poderá optar pelo juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo do atual domicílio do executado, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem.

Art. 475-Q. Quando a indenização por ato ilícito incluir prestação de alimentos, o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão.

§ 1o Este capital, representado por imóveis, títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação do devedor.

§ 2o O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do beneficiário da prestação em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica, ou, a requerimento do devedor, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz.

§ 3o Se sobrevier modificação nas condições econômicas, poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação.

§ 4o Os alimentos podem ser fixados tomando por base o salário-mínimo.

§ 5o Cessada a obrigação de prestar alimentos, o juiz mandará liberar o capital, cessar o desconto em folha ou cancelar as garantias prestadas.

Art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial." (NR)

A grande incidência do cumprimento de sentença se dará sobre execuções contra devedor solvente para apuração de quantia certa, uma vez que o art. 461 não foi alterado pela Lei 11232/05 e continua em voga no que diz respeito às execuções para obrigação de fazer, não fazer e entrega de coisa.

O art. 588 do CPC regia a execução provisória. Tal artigo foi deliberadamente revogado pela Lei 11.232/05, de maneira que este tema passa a ser regulamentado pelo art. 475- I. A execução provisória é cabível sempre que a sentença não comportar recurso suspensivo, hipótese comum, por exemplo, nos casos previstos no art. 520 do CPC, na sentença que concede mandado de segurança (Lei 1.060/50, art. 12) e quando o juiz não conceder efeito suspensivo nos recursos inominados nos Juizados Especiais Cíveis (Lei 9.099/95).

A execução provisória não permite, sem caução, atos que importem em alienação de bem ou levantamento de dinheiro. A exigência de caução é suprimida em se tratando de execuções nas quais o valor da causa não exorbite 60 salários mínimos e haja prova contundente de pobreza do exequente. Também dispensa-se tal caução em execuções de decisões atacadas por agravo de instrumento no STF ou STJ, desde que a continuidade da execução não gere dano irreparável ou de difícil reparação.

Com o cumprimento de sentença, cria-se um rito mais draconiano para o executado. A despeito dos prazos serem maiores que o rito executivo do art. 652 e seguintes do CPC (aplicável, com efeito, para execução de títulos executivos extrajudiciais- CPC, art. 585), as hipóteses de procrastinação de execuções ficam menos evidentes. Este, com certeza, é o objeto da lei. A prática, contudo, nem sempre, obedece aos sonhos normativos.

O devedor será citado para efetuar pagamento no prazo de 15 dias. O não pagamento implica em possibilidade da feitura de penhora pelo Oficial de Justiça e fixação de multa de 10% sobre o valor da execução. A intimação da penhora se dará, em regra, por intermédio do advogado do executado. A não necessidade de intimação pessoal do executado dá mais rapidez ao rito da execução, mas, por outro giro, aumenta o trabalho e a responsabilidade do advogado, que deve estar sempre muito atento às publicações. [05]

Havendo pagamento parcial, o apreço ao princípio da proporcionalidade recomenda que a multa de 10% não incida sobre o todo, mas sim sobre a parcela não adimplida tempestivamente.

O credor tem agora a prerrogativa de ele próprio indicar bens passíveis de penhora na exordial do cumprimento de sentença. Não que isto já não ocorresse na prática no processo de execução, mas a contemplação legal desta possibilidade é um bom passo dado pelo legislador.

Também devemos lançar atenção para o fato de que o cumprimento de sentença não tolera inércia do exequente, de maneira que o não ajuizamento desta medida no prazo de 06 meses causa arquivamento do feito. Um aviso importante: arquivamento do feito não é o mesmo que extinção do processo sem julgamento de mérito. Um feito arquivado pode ser reativado a qualquer tempo. [06]

Efetivada a penhora, o devedor tem 15 dias para apresentar impugnação. Os embargos de devedor ficam adstritos somente aos casos de execução de título extrajudicial.

A impugnação, em regra, não tem efeito suspensivo, só sendo concedido tal efeito nos casos do juiz, com ampla discricionariedade, perceber que o prosseguimento da execução pode causar grave prejuízo ao executado. Tal efeito não é concedido de ofício, mas sim com requerimento motivado do executado.

A ideia do grave prejuízo ou do dano de difícil reparação gera controvérsias. São termos de carga semântica bastante aberta, dependendo muito da interpretação do juiz no caso concreto. Infelizmente, nem sempre magistrados terão sapiência para aquilatar quando a execução demanda impugnação com efeito suspensivo e a não delimitação de tal efeito poderá acarretar irrazoável ruína do executado. Também tememos que magistrados com olhar muito generalista sobre processos executivos saiam, a contrario sensu, concedendo efeito suspensivo a todo e qualquer tipo de execução, não ponderando se as contingências do caso em análise realmente exigem tal beneplácito legal. Tal exagero certamente frustraria os fins colimados pela Lei 11.232/05.

O efeito suspensivo ou não da impugnação no cumprimento de sentença gera mais celeumas. Indaga-se: o executado pode requerer este efeito no corpo da própria execução? Respondendo a tal questionamento, entendemos que sim, afinal de contas trata-se do momento processual oportuno para isto. Ademais, o acesso à Justiça, o devido processo legal e a inafastabilidade do controle jurisdicional garantem que nenhuma das partes fique privada de se manifestar em juízo e se defender de dispositivos que, em nome da celeridade, por vezes, podem escamotear os ideários de segurança jurídica. [07]

Mais perguntas: Não sendo concedido o efeito suspensivo buscado em impugnação, cabe algum recurso? Acreditamos que a resposta deve ser positiva, sendo certo que o caso em tela comporta o manejo de agravo de instrumento (CPC, art. 522).

É possível ao credor "driblar" o efeito suspensivo quando concedido nas impugnações? A saída para tanto está claramente prevista na Lei 11.232/05, consolidada na possibilidade de prestar caução e dar continuidade à execução. Há quem fale em ações cautelares inominadas para a concessão de efeito suspensivo, mas não concordamos com tal posicionamento. A ação cautelar inominada não pode ser pseudo remédio de situação que já possui contornos legais claros.

Saber se a impugnação será autuada em apartado ou correrá nos próprios autos exige ter em mente se a impugnação ao cumprimento de sentença recebeu ou não o efeito suspensivo. Se recebeu efeito suspensivo, corre nos próprios autos; se não recebeu efeito suspensivo, será instruída em autos apartados.

E o recurso cabível contra a decisão da impugnação de cumprimento de sentença? Responder tal pergunta demanda conhecer a natureza jurídica do tipo de decisão proferida.

O elenco de matérias passíveis de alegação no cumprimento de sentença é bem restrito. Trata-se de lista numerus clausus, ou seja, taxativa, tal como era na antiga previsão de embargos de devedor na execução de título judicial. Só podem ser sustentadas na impugnação matérias expressamente autorizadas nos termos da Lei 11.232/05.

No caso de alegação de excesso de execução, destaque especial para a necessidade de o devedor trazer, junto com suas considerações, cálculo aritmético no qual demonstre o excesso. A inexistência deste cálculo redunda no indeferimento liminar da impugnação. Aplausos merece a lei, uma vez que a odiosa prática de impugnar cálculos, sem razão, apenas para procrastinar execuções, sofre com isto grande restrição.

Outro aspecto peculiar da Lei 11.232/05 é que, quando prevê a inexigibilidade do título como matéria passível de ser alegada em impugnação, admite a polêmica coisa julgada inconstitucional. Assim sendo, título executivo pautado em lei ou ato normativo decretados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou mesmo apenas interpretados inconstitucionais por tal Corte podem dar espaço a impugnação da sentença. Como se vê, a coisa julgada, inobstante estar prevista entre direitos fundamentais da Constituição Federal e ser, por conseguinte, cláusula pétrea, não tem efeitos absolutos e sempre imutáveis.

A ponderação de interesses é um avanço considerável em um ordenamento com operadores muito acomodados com a tradicional subsunção de regras. O problema é o grau de discricionariedade de magistrados e o acerto do Supremo Tribunal Federal na decretação de inconstitucionalidade de certas leis e atos normativos. Os julgados do STF têm sido cada vez mais atos políticos, ora decisões magistrais, ora infelizmente fulcrados em conveniências nada antenadas com os mais altaneiros fins constitucionais.

O papel criativo do julgador já foi reconhecido por autores construtivistas como Ronald Dworkin. Contudo, criação do Direito não pode fazer com que o Judiciário retire, por vias transversas, a atividade típica do Legislativo. Além disto, a coisa julgada inconstitucional dá ao juiz de primeira instância uma possibilidade exagerada de controle difuso de constitucionalidade, algo talvez prematuro para o grau de amadurecimento jurídico de muitos magistrados.

Se a impugnação ao cumprimento de sentença levar à extinção da execução, trata-se de uma sentença, cabendo, portanto, apelação. Como a lei não faz qualquer ressalva especial, tal apelação deve ser recebida no duplo efeito.

Entretanto, caso a impugnação não gere extinção da execução (hipótese óbvia no caso de indeferimento do postulado na impugnação), temos uma decisão interlocutória, que deve ser desafiada por agravo de instrumento.

No cumprimento de sentença, se o processo é competência originária dos tribunais, a fase executiva, seguindo as balizas normais do critério funcional de delimitação de competência, será no tribunal que foi competente para a ação (CPC, arts. 475- P).

O mesmo art. 475- P do CPC permite uma espécie de abrandamento da ideia de competência funcional. Pode o exequente, ao invés de levar a execução no foro da ação de conhecimento, preferir o foro no qual há bens sujeitos à penhora do réu ou no atual domicílio do executado.

O dispositivo em comento, por óbvio, tem o intento de facilitar a execução, torná-la mais célere e mais eficiente. Contudo, assim como intenta criar facilidades, pode estar eivado de problemas.

Sobre isto, assim divagou Vicente Greco Filho:

" Não há dúvida de que a opção pode facilitar a execução, mas pode trazer alguns problemas. Primeiro, porque institui um ônus a mais para o credor, uma vez que deverá juntar ao requerimento de execução no novo juízo as peças necessárias à execução, que são relacionadas no art. 475- O, parágrafo 3, ou pelo menos as suficientes para que o juiz verifiqque que se trata efetivamente de caso de execução e da possibilidade de novo foro para a requisição do processo original. Esse ônus, porém, não é de grande monta, já que pode ser compensado pela maior facilidade da execução e pela desnecessidade de precatórias.

Segund, porque pode surgir dúvida quanto à eventual possibilidade de uma segunda vez mudar o foro, como no caso de transferência do domicílio do devedor ou de bens deste localizados em comarcas diversas; ou, ainda neste último caso, poderia o credor requerer a execução em mais de um foro?

À pergunta final não temos dúvida de que a resposta é negativa se se pretenderem duas execuções concomitantes, ou seja, uma vez escolhido o novo foro e feita a requisição dos autos do processo original, não há como promover outra execução em paralelo, o que causaria evidente tumulto, porque não se saberia o que efetivamente estaria sendo efetivo e não haveria um segundo processo para instruir a segunda execução.

Não vemos óbice, porém, a que um novo foro seja escolhido em caráter sucessivo, no caso, exemplificadamente, de os bens que geraram o primeiro deslocamento esgotarem-se e não serem suficientes para solver todo o débito. Proposta a execução num foro diferente do da ação, este passa a ter a competência para tal, e o princípio da perpetuatio jurisdictionis nele concentra a competência para todas as providências executivas; se, porém, a execução esgotou-se naquele juízo porque os bens se exauriram, não vejo impedimento em que o credor requeira o prosseguimento da execução em novo foro em que outros bens se encontrarem, do qual serão solicitados os autos do processo original. Tal fato pode acontecer, por exemplo, no caso de bens que são encontrados posteriormente em comarca distante. O princípio da efetividade da execução que informa o dispositivo justifica a possibilidade do segundo deslocamento, cabendo ao credor a avaliação do interesse em fazê-lo". [08]

Finalmente, mister destacar que, na lacuna de normas sobre temas do cumprimento de sentença, aplicar-se-ão as regras já previstas no CPC para a execução de título extrajudicial.

04- Conclusão

É um sebastianismo tolo crer que apenas uma reforma em leis processuais galgue, por si só, o pleno acesso à Justiça e venha dirimir todas as mazelas do processo de execução. Contudo, apesar do desafio ser maior do que supõe uma leitura ingênua da Lei 11.323/05, o fato é que mudanças eram necessárias e a prática do cumprimento de sentença tem mostrado parcela de executados menos insistente com o não pagamento de seus débitos. A multa e a não concessão perene de efeito suspensivo de impugnações atemorizam aqueles que tradicionalmente optavam pelo não pagamento e por embargos com fito meramente procrastinatório. Resta apenas um grande reclame: que novas leis sejam lidas, estudadas, aplicadas com vigor, não contaminadas pelo comodismo pusilânime dos que não tem apreço aos livros...
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Notas

1.Se o perito não cumprir sua tarefa no prazo fixado pelo juiz, poderá ser afastado do processo, cabendo ao magistrado ainda comunicar à coorporação profissional do perito sua desídia (CPC, art. 424).
1.Este dispositivo não eliminou a ação civil ex delicto. Trata-se, com efeito, de uma opção do ofendido: aguardar o resultado da ação penal e seu trânsito em julgado ou propor imediatamente a ação civil de conhecimento. Advirta-se ainda que a sentença penal condenatória é exequível apenas contra o réu da ação penal, podendo não ter grandes efeitos se o réu for pobre.
1.Uma intrigante possibilidade foi levantada por Vicente Greco Filho: e se após o trânsito em julgado da sentença o réu vier a ser absolvido em revisão criminal? Respondendo tal questionamento, o autor disse o seguinte: " Várias alternativas são possíveis: se a execução civil da sentença não foi iniciada, não mais poderá sê-la porque desapareceu o título; se a sentença penal está com execução em andamento, extinguir-se-á a execução pela mesma razão; se a execução já se consumou com o pagamento do credor-ofendido, a situação pode variar conforme o fundamento e conteúdo da sentença proferida na revisão: se na revisão foi julgada extinta a punibilidade ou decidido que o fato imputado não constitui crime, não desaparece a responsabilidade civil, e o pagamento, a despeito de obtido agora com meio inidôneo (execução com título extinto), não poderá ser repetido; se a absolvição teve por fundamento a legítima defesa, tal circunstância elimina a responsabilidade, cabendo, pois a repetição; permanece, porém, a responsabildade se outra for a causa que considere o crime justificável".in GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. volume 3. 18 edição. São Paulo: Saraiva, 2006. pp. 27-28
1.Não é qualquer acordo extrajudicial que deve ser homologado por juiz. Sobre o tema, assim se manifestou Vicente Greco Filho: " Para evitar os malefícios que o mau uso da faculdade de homologar acordos extrajudiciais possa trazer deverá o juiz não homologar acordos quando: 1) houver a menor suspeita de que pretendem as partes alcançar fins ilícitos; 2) quando, mediante o acordo judicial, houver indícios de que as partes pretendem, mediante a homologação, evitar despesas notoriais e emolumentos; 3) quando não houver justificativa suficiente para que se faça a homologação e porque não se contentam as partes com a elaboração de documento com validade de título executivo extrajudicial". GRECO FILHO, Vicente. op.cit.p. 30
1.Em conversas informais com alguns advogados, ouvi críticas a esta nova realidade fixada pela Lei 11232/05. Alguns inclusive já tentam subterfúgios para ilidir tal intimação. Há advogados que já estão confeccionando procurações nas quais consta expressamente o não poder para ser intimado do cumprimento de sentenças. Data venia, entendo que tais procurações não conseguirão mudar o estatuto legal do cumprimento de sentença. As normas processuais são de ordem cogente, não dispositivas. Em geral, tratam-se de normas que não permitem pactuação em contrário pelas partes, ou seja, tem cunho imperativo. Além disto, seria uma temeridade enorme fazer com que Secretarias Judiciais sejam obrigadas a olhar todas as procurações em execuções e aquilatar se o executado deu ou não o poder para seu advogado ser intimado do cumprimento de sentença. Errar é humano e isto tem sido mais humano ainda em se tratando das Secretarias Judiciais.... É melhor, neste caso, seguir a literalidade legal do que contar com mecanismos pouco razoáveis de retirar serviços dos ombros dos advogados!
1.Fazemos tal advertência porque muito estupefato nos tem causado juízes que, no caso de não tomada de providências do inventariante em arrolamentos e inventários, tem, ao invés de destituir o inventariante e nomear o substituto, tomado a errônea medida de extinguir o feito por abandono da causa (CPC, art. 267, III). Embora a jurisprudência seja clara em não tolerar a extinção do feito nestes casos, juízes tem dado pouca valia aos precedentes judiciais. Cheguei até a ouvir de um juiz um dia algo que me deixou estarrecido. Dizia ele: " os advogados não são como você que ficam ''fuçando'' jurisprudência. Eles não sabem desta hipótese jurisprudencial. Quando extingo inventários nos quais o inventariante não tomou providências, desafogo minha Secretaria e apresente bons números de término de processos nos mapas que envio ao Tribunal no final do mês. Estou mostrando trabalho!". Esperamos que os casos de cumprimento de sentença nos quais haja letargia do exequente em dar início à medida não gerem episódios lamentáveis como o acima narrado e que se siga o comando legal de apenas arquivamento do feito.
1.Quando falamos em segurança jurídica, não queremos, por óbvio, lançar um olhar conservador para o Direito. Em tempos de Pós- Modernidade, Pós- Positivismo, Neoconstitucionalismo, Direito Alternativo e tantos movimentos que, embora diversos em suas pretensões, tem como ponto comum o ataque ao Positivismo tradicional, dogmas como a completude do Direito, a ampla possibilidade de subsunção legal para todos os casos concretos e a certeza na decisão judicial tornaram-se esmaecidos. Contudo, seguindo os preceitos aristotélicos, cremos que a virtude está no meio.... Segurança jurídica também é um valor a ser soperado em qualquer ponderação de interesses.

Fonte: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13218

DENÚNCIA - Latrocínio Consumado

Trata-se de Denúncia oferecida pelo Ministério Público contra acusados de latrocínio consumado. Segundo consta dos autos do Inquérito Policial, dois dos acusados, em comunhão de vontades e desígnios, visando a subtração dos bens da vítima planejaram a execução do delito. Para tanto, se aproveitaram de um jantar que tiveram na casa da vítima e , assim, mataram-na de forma cruel e sem possibilidade de defesa. Em seguida retiraram vários bens do local, dentre eles um automóvel o qual fora negociado com terceiro que detinha conhecimento sobre a origem do mesmo. Diante dos fatos expostos, o Promotor confirmou os dois primeiros denunciados como autores do crime de latrocínio consumado e o último acusado incurso no crime de receptação qualificada.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA (xxx) VARA CRIMINAL DA COMARCA DE (XXX)


O MINISTÉRIO PÚBLICO, por seu Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, oferecer

DENÚNCIA

contra (XXX), brasileiro, solteiro, natural de (XXX), nascido aos (xxx), 20 (vinte) anos, sem ocupação definida, filho de (XXX) e de (XXX), residente na Rua (XXX), (XXX) (próximo ao (XXX); (XXX), brasileiro, natural de (XXX), nascido aos (xxx), com 26 (vinte e seis) anos, RG n. (xxx) (expedida em 13.09.2000), solteiro, vigilante, filho de (XXX) e de (XXX), residente na Rua (XXX), (XXX) (próximo ao morro, vizinho a um depósito de materiais de construção), (XXX); e (XXX) brasileiro, natural de (XXX), nascido aos (xxx), com 31 (trinta e um) anos, RG n. (xxx) – (xxx), CPF n. (xxx), motorista, filho de (XXX) e de (XXX), residente na (XXX), n. (xxx), (XXX), (XXX); pelo seguinte fato:

Consta nos autos do Inquérito Policial tombado sob o n°. (xxx) (IP n. (xxx). DP) que, na madrugada do dia 27 de setembro de 2007, na Rua (XXX), n. (xxx), (XXX), nesta capital, os dois primeiros denunciados, (XXX) e (XXX), em comunhão de vontades e desígnios, visando subtrair de (XXX) bens de sua propriedade, mataram-no, com a utilização de uma faca de cozinha. Posteriormente, o terceiro denunciado, (XXX), mesmo sabendo que o veículo (xxx), placas (xxx), era produto de crime, o adquiriu, em troca de um aparelho de DVD, para depois revendê-lo.

Como se infere dos autos de informação, no dia 26 de setembro de 2007, já planejado o crime hediondo que iria ser praticado, o denunciado (XXX) ligou para a vítima (XXX), marcando um encontro entre ambos à noite. Por volta das 23h., os acusados (XXX) e (XXX) chegaram à casa do ofendido e, dissimulando relação íntima sincera, com ele jantaram, tendo o primeiro denunciado, então, ido ao quarto com a vítima, onde praticaram sexo, enquanto o outro aguardava o deslinde criminoso na sala.

Em dado momento da madrugada do dia 27, o denunciado (XXX) foi à cozinha, pegou uma faca, e com ela escondida se deslocou até o quarto em que o ofendido o aguardava, de costas. Aproveitando a ocasião, o acusado (XXX), então, desferiu-lhe a primeira cutilada com a faca, pelas costas, à altura do pescoço. A vítima se virou e tentou desarmá-lo, exclamando que estava morrendo. O denunciado não titubeou em dar-lhe o segundo golpe, que acabou por ceifar a sua vida.

Morto o ofendido, o denunciado (XXX) lavou-se, e também o instrumento do crime, e comunicou ao seu comparsa (XXX) que tinha conseguido eliminar aquele, passando ambos, assim, a tirar vários objetos de valor da casa, como um aparelho de DVD, com controle remoto, uma TV de 14 polegadas, outra de 29 polegadas, um relógio de pulso, uma CPU de computador e um aparelho de som (relacionados no Termo de Entrega de fls.), os quais foram colocados dentro do veículo (xxx), placas (xxx), ano/modelo 2004/2005, cor prata, chassi n. (xxx), de propriedade da vítima, igualmente levado por eles. Enquanto o denunciado (XXX) ficou com o aparelho de som para vender e, depois, repartir o equivalente em dinheiro, o acusado (XXX) negociou os demais objetos subtraídos, os quais, após veiculação de matéria jornalística e grande repercussão na sociedade, foram entregues pelos adquirentes à Polícia.

No dia seguinte, o denunciado (XXX), com medo de ser capturado com o automóvel da vítima, procurou o acusado (XXX) e, depois de informar-lhe sobre crime que praticara, ofereceu-lhe o bem à venda. Este, no entanto, inicialmente disse que poderia encontrar um comprador, mas, em seguida à divulgação do fato pela mídia, afirmou que não daria certo o negócio, convidando o primeiro denunciado, (XXX), a, juntos, praticarem assaltos, utilizando-se do referido veículo, o que não foi acordado. No entanto, o denunciado (XXX) acabou trocando o carro por um aparelho de DVD com o acusado (XXX), que ficou de negociá-lo, em seguida. Acuado pela iminência de sua captura, veio o último denunciado a abandoná-lo na estrada de (XXX), defronte a lagoa de despejo da (XXX), entre os bairros dos (XXX) e (XXX), no dia 29.09.2007.

Desprovida de dúvidas resta a conclusão jurídica do que acima se expôs, fundada nas oitivas dos acusados e das testemunhas no Inquérito Policial, que comprovaram a materialidade e autoria das figuras típicas latrocínio consumado, com relação aos dois primeiros denunciados, e receptação qualificada, frente ao último acusado.

Destarte, estando os denunciados (XXX) e (XXX) incursos nas penas do art. 157, §3º (in fine), do Código Penal e art. 1º, II, da Lei. 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), e o acusado (XXX) incurso nas penas do art. 180, §§1º e 2º, do Código Penal, requer, após o recebimento e autuação desta denúncia, sejam estes citados para os interrogatórios e, enfim, para se verem processar até final julgamento, quando, então, deverão ser condenados, notificando-se as pessoas do rol abaixo para virem depor em juízo em dia e hora a serem designados, sob as cominações legais.

Requer, ainda, o Ministério Público:

1. Seja requisitado da autoridade policial que junte aos autos: a. O Laudo de Exame Necroscópico, realizado na vítima, pela COMELE; b. O Laudo de Exame em Local de Delito, produzido pela COCRIM; c. O Laudo de Vistoria no veículo subtraído; d. A identificação criminal dos acusados, na forma da Lei 10.054/2000; e. As investigações complementares sobre os fatos em persecução;

2. Seja comunicado ao ITEP/RN e ao SINIC o ajuizamento desta Ação Penal, de forma mais pormenorizada possível, determinando a inclusão destas informações em seus bancos de dados e requisitando-lhes as que possuem em nome dos denunciados;

3. Seja procedida busca em todos os sistemas eletrônicos do TJRN, especialmente SIP e CTD, em nome dos acusados;

4. Sejam requisitadas dos Estados do Ceará, de Pernambuco e da Paraíba as folhas de antecedentes criminais dos acusados;

5. Seja comunicado aos Juízos em que forem encontrados registros criminais em nome dos acusados sobre o ajuizamento desta Ação Penal, solicitando-lhes as pertinentes certidões circunstanciadas e, em caso de Execução Penal, as respectivas Guias de Execução.

Nestes termos,
Pede deferimento.

Natal, 17 de setembro de 2007.


PAULO GOMES PIMENTEL JÚNIOR
79º. Promotor de Justiça em Substituição Legal
Rol:
1°. (XXX), qualificado à fls. do IP;
2º. (XXX),, qualificado à fls. do IP;
3º. (XXX),, qualificado à fls. do IP;
4º. (XXX),, qualificado à fls. do IP;
5º. (XXX),, qualificada à fls. do IP.
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Fonte: http://www.uj.com.br/publicacoes/pecas/1680/DENUNCIA_-_LATROCINIO_CONSUMADO

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Princípios Constitucionais do Direito Previdenciário

INTRODUÇÃO

Os princípios são orientadores do direito, tanto na elaboração das normas como na aplicação destas. A rigor, há distinção em termos de estrutura material entre regra e princípio. Na primeira, existe uma hipótese de fato e uma conseqüência, vê-se a situação de fato e aplica-se a conseqüência. Isso não ocorre com os princípios; estes são pautas de valor (a igualdade, a dignidade da pessoa humana, a moralidade são valores) e estas pautas de valor irão nortear o legislador e o aplicador do direito. Assim, o princípio não remete a nenhuma situação material específica, ele remete a pautas de valores. Na regra, ocorre um elevado grau de determinação material e precisão de sentido enquanto os princípios são abertos e indeterminados. Outra distinção entre regra e princípio é com relação à interpretação, pois é possível se interpreta a regra e não há interpretação nos princípios, estes se concretizam por meio da ação do legislador e da ação do Poder Judiciário.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 194, parágrafo único, determina que cabe ao Poder Público organizar a Seguridade Social, estabelecendo os princípios constitucionais que a regem. Os princípios constitucionais previdenciários, num total de oitos (sete previstos nos incisos do parágrafo único do artigo 194 e um no artigo 195, parágrafo 5º) são pautas de valores consagradas na Carta Política referentes à Seguridade Social, são eles:

Art. 194, parágrafo único. (...)

I – universalidade da cobertura e do atendimento;

II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV – irredutibilidade do valor dos benefícios;

V – equidade na forma de participação no custeio;

VI – diversidade da base de financiamento;

VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Art. 195. (...)

§ 5º. Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

Estando os princípios previstos na Constituição federal, se o que estiver abaixo dela ferir esses princípios constitucionalmente previstos, esse algo pode/deve ser declarado inconstitucional aqueles têm plena eficácia.

Detalhar-se-á, agora, os princípios constitucionais da Seguridade Social.

I) UNIVERSALIDADE DA COBERTURA E DO ATENDIMENTO

Quer dizer a universalidade ampla proteção, desta maneira, a Seguridade Social deve dar proteção de cobertura e de atendimento, devendo ela, conforme determinação do constituinte de 1988, cobrir todos os eventos que causem estado de necessidade, como por exemplo, a idade avançada, morte, invalidez, deficiência física, maternidade etc.

Por este principio, então, cabe à Seguridade Social atender a todas as pessoas necessitadas e cobrir todas as contingências sociais, como afirma o Professor Sérgio Pinto Martins : “todos os residentes no país farão jus a seus benefícios, não devendo existir distinções (...)”.

A universalidade de atendimento refere-se aos sujeitos protegidos (universalidade subjetiva), ou seja, todas as pessoas em estado de necessidade devem ser atendidas pela Seguridade Social. Já a universalidade de cobertura diz respeito às contingências cobertas (universalidade objetiva), ela significa cobrir todos os eventos que causem estado de necessidade e é objetiva porque diz respeito a fatos que deverão ser cobertos pela Seguridade Social. Na Assistência Social, essa universalidade objetiva/subjetiva não terá muito problema porque não há limitação de acesso à Seguridade Social, logicamente que essa limitação sempre vai existir em razão da capacidade contributiva do Estado e do que dispuser a lei. Em regra, todavia, quem estiver em estado de necessidade e for atingido pela contingência social terá direito á proteção assistencial, em tese. O mesmo ocorre na Saúde, pois é universal o acesso às ações de saúde. Só há dificuldade de aplicação desse princípio na Previdência Social porque, por ela ser um seguro, exige a qualidade de contribuinte da pessoa a ser protegida. Logo, não são todas as pessoas que têm direito à proteção previdenciária, também não é todo evento que dá direito a esta proteção. A qualidade de contribuinte da pessoa a ser protegida pela Previdência limita subjetivamente a universalidade de atendimento.

Pelo caráter securitário da Previdência Social, o princípio da universalidade se dá pelo fato de o legislador não poder impedir o acesso das pessoas que queiram participar do plano previdenciário mediante contribuição. Assim, garante-se a universalidade na Previdência Social com a possibilidade de qualquer membro da comunidade poder participar dos planos previdenciários, desde que contribua para esse plano. Aqueles que exercem atividade remunerada já estão automaticamente filiados à Previdência Social, e aquelas pessoas que não trabalham mas têm a intenção de participar da proteção previdenciária poderão participar mediante contribuição. O que não pode é na seara previdenciária benefícios previdenciários serem concedidos para quem não é segurado (contribuinte ou dependente de contribuinte).

Este princípio determina que todos residentes no País têm direito aos benefícios previdenciários, sem distinções de nenhuma natureza. Todavia, esse “todos” deve ser entendido restritivamente, pois a lei determinará a quem cabe os benefícios e em que situações estes são devidos. Sérgio Pinto Martins diz que: “se a lei não previr certo benefício ou este não for estendido a determinada pessoa, não haverá direito a tais vantagens”.

II) UNIFORMIDADE E EQUIVALÊNCIA DOS BENEFÍCIOS E SERVIÇOS ÀS POPULAÇÕES URBANAS E RURAIS

As prestações da Seguridade Social são divididas em benefícios e serviços. Os primeiros são prestações pecuniárias, já os serviços são bens imateriais postos à disposição das pessoas como é o caso do serviço social, da habilitação e reabilitação.

A Carta Magna, em seu art. 7º, prevê a uniformidade no tratamento dos direitos trabalhistas entre trabalhadores urbanos e rurais.

Até a Constituição Federal de 1988, mais especificamente a Lei n.º 8.213/91, havia dois regimes de previdência no âmbito privado no Brasil, quais sejam, o Regime de Previdência Urbano (RPU) e o Regime de Previdência Rural (RPR). No segundo, não existia a previsão de concessão de todos os benefícios da Previdência, diversamente do que ocorria no RPU. O constituinte de 1988 buscou acabar com a diferença de tratamento que ocorria entre o urbano e o rural. A uniformidade está relacionada aos mesmos benefícios e serviços, às mesmas proteções, ou seja, o que é concedido ao trabalhador urbano é concedido ao rural.

A equivalência diz respeito ao valor, isto é, os trabalhadores urbanos devem ter os benefícios no mesmo valor dos benefícios concedidos ao trabalhador rural todavia a idéia de “mesmo valor” significa que os benefícios serão calculados da mesma forma e não que todos os benefícios concedidos aos urbanos e rurais terão o mesmo valor.

Esse princípio é mitigado quando se trata do segurado especial já que este tem direito ao benefício no valor de um salário mínimo e não terá direito a todos os benefícios da Previdência Social, porém, tal diferenciação está prevista na própria Constituição, em seu art. 195, parágrafo 8º.

III) SELETIVIDADE E DISTRIBUTIVIDADE

Pela universalidade, entende-se que todos os fatos geradores de necessidades sociais devem ser cobertos e todas as pessoas que se encontrem em estado de necessidade devem ser atendidas pela Seguridade Social. Porém, a capacidade econômica do Estado limita essa universalidade de atendimento e de cobertura visto que as necessidades são sempre maiores e renováveis do que as condições econômicas do País para fazer face a essas necessidades. Desta maneira, deve-se otimizar os poucos recursos existentes, selecionando e distribuindo melhor as prestações.

Essa é a idéia do princípio da seletividade: selecionar aquelas prestações que melhor atendam aos objetivos da Seguridade Social (artigo 193 da CF/88). João Batista Lazzari afirma que o princípio da seletividade “pressupõe que os benefícios são concedidos a quem deles efetivamente necessite, razão pela qual a Seguridade Social deve apontar os requisitos para a sua concessão de benefícios e serviços”.

O princípio da distributividade diz respeito às pessoas que deverão ser protegidas prioritariamente pela Seguridade Social. Para João Batista Lazzari , o “princípio da distributividade, inserido na ordem social, é de ser interpretado em seu sentido de distribuição de renda e bem-estar, ou seja, pela concessão de benefícios e serviços visa-se ao bem-estar e à justiça social (art. 193 da Carta Magna)”.

Na seletividade, ocorre a escolha das prestações que melhor atendam aos objetivos da Seguridade Social ao passo que, na distributividade, há a preocupação de se estar atendendo, prioritariamente, aqueles indivíduos que estão em maior estado de necessidade.

A universalidade é mitigada pelo princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços. Só faz sentido falar em seletividade e distributividade se estiver presente a questão da limitada capacidade econômica para fazer face às contingências sociais que devem ser atendidas pela Seguridade Social.

IV) IRREDUTIBILIDADE DO VALOR DOS BENEFÍCIOS

João Batista Lazzari diz que princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios é “princípio equivalente ao da intangibilidade do salário dos empregados e dos vencimentos dos servidores, significa que o benefício legalmente concedido (...) não pode ter seu valor nominal reduzido, não podendo ser objeto de desconto (...)”.

Pode-se dizer que é uma aplicação do princípio da suficiência ou efetividade na medida em que se determina que o valor dos benefícios não será reduzido, esta vedação é quanto à redução nominal. Todavia, apenas a proibição à redução do valor nominal dos benefícios não é garantia de que se evitará a sua irredutibilidade. A partir dessa idéia, o legislador constituinte de 1988 previu que a irredutibilidade não é apenas nominal, mas sim real (artigo 201, parágrafo 4º da CF/88 e artigo 58 do ADCT).

É um princípio que está mais ligado à Previdência Social, pois é esta quem paga os benefícios, que devem ser reajustados periodicamente.

V) EQUIDADE NA FORMA DE PARTICIPAÇÃO NO CUSTEIO

A equidade é igualdade respeitando as diferenças; esse princípio é o desdobramento do princípio da capacidade contributiva. Visa este princípio, desta forma, implementar os princípios da igualdade – tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade (artigo 5º, caput, da CF/88) e o da capacidade contributiva (artigo 145, parágrafo 1º, da CF/88). Assim, cada pessoa deve contribuir na medida de suas possibilidades, ou seja, quem tem maior capacidade econômica deve contribuir com mais.

Pode-se citar como exemplos de aplicação desse princípio os seguintes artigos: art. 20 da Lei n.º 8.212/91; art. 195, parágrafo 9º, da CF/88.

O princípio da efetividade ou da suficiência afirma que a proteção da Seguridade Social não deve ser qualquer proteção, deve ser essa proteção suficiente de tal maneira que se possa debelar o estado de necessidade.

VI) DIVERSIDADE DA BASE DE FINANCIAMENTO

A diversidade da base de financiamento pode ser objetiva, no que se refere aos fatos geradores da obrigação de pagar contribuições sociais (salário, faturamento, lucro, folha de salários, renda de espetáculos esportivos, concursos de prognósticos, resultado da comercialização da produção rural etc.) e subjetiva, quando se tratar das pessoas que devem participar do financiamento (Estado, empresas, segurados etc.).

Assim como a seletividade e contributividade, esse princípio é muito aplicado ao legislador, pois tem este o dever de otimizar os recursos da Seguridade Social. Na hora de se estabelecer o financiamento, cabe ao legislador diversificar as fontes de financiamento pois quanto maior essa diversificação, quanto mais fatos geradores maior é a estabilidade da Seguridade Social.

Essa diversidade se dá de duas formas: a) diversidade objetiva – diversidade de fatos geradores de contribuição social; e b) diversidade subjetiva – maior número possível de contribuintes para a Seguridade Social. Conclui-se, portanto, que deve o legislador estabelecer o maior número possível de fatos geradores de contribuição social e deve, também, distribuir o ônus de financiar a Seguridade Social pelo maior número possível de pessoas.

VII) CARÁTER DEMOCRÁTICO E DESCENTRALIZADO DA GESTÃO ADMINISTRATIVA

O legislador constituinte se preocupou com que as pessoas que têm interesse na proteção da Seguridade Social participem da sua gestão. O Brasil, conforme o artigo 1º da Carta Magna, é um Estado Democrático de Direito. Este princípio em questão vem colmatar o previsto no artigo 10 da CF/88, que determina a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais e previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.

Veio a legislação infraconstitucional regulamentar esse princípio, instituindo os conselhos nacionais, estaduais e municipais da Seguridade Social, Previdência Social e Assistência Social, tornando possível a participação democrática com a descentralização.

VIII) PREEXISTÊNCIA DO CUSTEIO EM RELAÇÃO AOS BENEFÍCIOS OU SERVIÇOS

É um princípio previsto no artigo 195, parágrafo 5º, da Constituição Federal que, porém, muitos dizem que, na realidade, não se trata de um princípio mas sim de uma regra daí ser conhecido como Regra da Contrapartida; todavia, ele é sim um princípio, pois é uma pauta de valor, é um princípio que tem como valor a estabilidade financeiro-econômica da Seguridade Social.

Ele informa que só se pode criar/estender benefício/serviço da Seguridade Social se houver a prévia fonte de custeio total, isto é, a Seguridade Social só deve conceder prestações dentro das suas possibilidades econômicas.

Por esse princípio, busca-se tornar a Seguridade Social financeiramente equilibrada, a medida em que orienta a ação do legislador no sentido de que a toda despesa criada deve corresponder uma receita respectiva para fazer face ao gasto instituído.

Nas palavras do Professor Sérgio Pinto Martins:

Para a criação ou extensão de determinado benefício ou serviço da Seguridade social, é mister que exista previamente a correspondente fonte de custeio total, sob pena de inconstitucionalidade da lei ordinária. Em resumo: o benefício ou serviço não poderá ser criado sem que antes haja ingressado numerário no caixa da Seguridade Social.

Esse princípio foi topograficamente mal coloco na Carta Política, pois ele deveria estar presente na parte que enumera os objetivos da Seguridade Social, previstos no artigo 194, parágrafo único, e não ter sido colocado isoladamente no parágrafo 5º do artigo 195.

CONCLUSÃO

Os princípios são os fundamentos basilares, o alicerce, de uma ciência que lhes dão sentido e feição própria.


A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 193, determinou que a Ordem Social, da qual faz parte a Seguridade Social, tem por base o primado do trabalho, e o bem-estar e a justiça sociais como objetivo.


Assim, é preciso atender aos princípios constitucionais para que possa a Seguridade Social funcionar correta e eficientemente visando a uma boa assistência aos que dela dependem.


REFERÊNCIAS


BASTOS, Núbia M. Garcia. Introdução à metodologia do trabalho acadêmico. Fortaleza: [s.n.], 2003.

BRASIL, Constituição da República federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

LAZZARI, João Batista. CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTR, 2003.

MARTINS, Sergio pinto. Direito da seguridade social. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Condomínio Geral

Condomínio Geral

1.Conceito

Via de regra, diz-se que a propriedade pertence a somente um sujeito de direito, todavia, ocorre hoje no direito brasileiro a acepção de propriedade por mais de um sujeito, em que se pode perceber a existência da propriedade também nos chamados condomínios. Há, ainda, há divergências doutrinárias no que concerne ao estudo sobre a propriedade condominial, despertando, ainda, a preocupação de alguns doutrinadores, como por exemplo, Clóvis Beviláqua, ao dizer que o condomínio é uma forma anormal de propriedade. Existe o caráter anormal do condomínio, em princípio, pois há certa resistência em conceber que um mesmo objeto possa ser titulado por mais de um sujeito de direito, que possui o poder de proprietário ou domínio. Pois bem, ainda que controverso, o fato é que tal instituto se torna mais comum sua compreensão e extensão no âmbito do direito e em meio à sociedade atual. Portanto, o condomínio ou compropriedade é o direito de propriedade que mais de um sujeito de direito titula sobre determinado objeto ou bem, devendo atingir as suas funções sociais a fim de beneficiar a coletividade dos que condominam.

A cada condômino será atribuída uma parcela, uma fração ou uma quota ideal da parte que lhe couber sobre o objeto comum, podendo, todos, usufruir, dispor e reivindicar ao que for compatível com a indivisão, mas aos comproprietários são atribuídas exclusividades jurídicas a fim de excluir qualquer sujeito que seja estranho ao instituto. Objetivamente, o condomínio é sinônimo de indivisão, compropriedade ou comunhão; é coisa sobre a qual os sujeitos de direito têm direitos concorrentes e subjetivamente. É de aspecto comum, sendo cada sujeito possuidor de um direito com simultâneo à varias outras pessoas possuidoras do mesmo direito.

2.Natureza Jurídica

Embora haja discussões acerca da natureza jurídica do condomínio, o fato de que o condomínio dá o direito de usufruto, disposição e reivindicação da quota parte ideal que cabe a cada condômino, considera-se a natureza jurídica de tal instituto de caráter individualista, já que as partes pertencentes a cada sujeito do condomínio são ideais, uma vez que o conceito de condomínio é o da indivisão da coisa, por isso a propriedade comum sobre a coisa. Sobre esse aspecto é possível encontrar jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, decidindo que "o Código Civil Brasileiro, tomando partido entre correntes tão diversas e tão embaraçosas, aceitou a teoria da subsistência, em cada condômino, da propriedade sobre toda a coisa, delimitada naturalmente pelos iguais direitos dos demais consortes; entre todos se distribui a utilidade econômica da coisa; o direito de cada condômino, em face de terceiros abrange a totalidade dos poderes imanentes ao direito de propriedade; mas, entre os próprios condôminos, o direito de cada um é auto limitado pelo de outro, na medida de suas quotas, para que se torne possível sua coexistência" (Ap. n° 102.446, Rel. Des. Souza Lima, ac. 29.12.1961, in RT, 332/170). Claramente explica Cézar Fiúza ao escrever que:

A teoria da propriedade integral ou total, talvez a mais aceita entre nós, explica que os vários condôminos exercem, cada qual, um único direito de propriedade sobre a coisa comum. O direito é um só, exercendo-se por cada um dos condôminos indistintamente. O exercício de cada um se limita pelo exercício dos demais. Essa é a teoria adotada pelo Código Civil. Outra teoria, a das propriedades plúrimas parciais, é menos aceita. Segundo seus defensores, o condomínio consiste em vários direitos de propriedade sobre frações ideais da coisa comum. De acordo com terceira teoria, o condomínio seria verdadeira pessoa jurídica colegiada, sendo os condôminos seus associados. Para Lino Salis, 94 há um só direito exercido fracionadamente. Difere da teoria da propriedade integral, em que o direito é um só, mas é exercido em conjunto por todos os condôminos. Por fim, há quem entenda ser o condomínio modalidade especial de propriedade, com natureza sui generis. Em outras palavras, condomínio écondomínio. De nada adianta tentarmos explicá-lo sob a ótica do direito de propriedade comum. (DIREITO CIVIL CURSO COMPLETO. 2ª EDIÇÃO REVISTA, ATUALIZADA E AMPLIADA BELO HORIZONTE - 1999-06-07)

3.Classificação

O condomínio geral, também chamado de tradicional ou comum, é classificado em voluntário e necessário (legal), sendo disciplinado pelo Código Civil nos arts. 1.314 ao 1.330. Ocorre a voluntariedade no condomínio geral quando duas ou mais pessoas decidem, por livre deliberação de vontade, se tornarem proprietários comuns de uma mesma coisa ou bem a fim de usarem e fruírem tal coisa. Contas bancárias conjuntas são exemplos típicos de formação condominial voluntária, assim como a construções de muros em área de loteamento; cabe, porém, outros diversos exemplos de sinônima ilustração. Justamente por seu caráter voluntário é que assim quiseram as partes criar, usufruir, dispore reivindicar o bem ou objeto de acordo com as suas vontades deliberadas, sem que um agente externo os obrigassem a isso.

A duração do condomínio voluntário será enquanto as partes quiserem mantê-lo, embora a lei não tenha definido o seu limite temporal de existência uma vez que, enquanto houver frutos advindos da compropriedade, durará o condomínio. A criação e a vigência do condomínio serão especificadas por negócio jurídico para que haja uma melhor garantia do seu exercício e tal negócio jurídico é denominado convenção condominial, sendo estabelecidos nele as regras de uso, fruição e administração do bem, assim como as devidas responsabilidades de cada comproprietário na relação condominial, entretanto a realização do negócio jurídico não é obrigatória.

Ainda pela classificação do condomínio geral, temos o condomínio essencial ou necessário, que também pode ser chamado de legal e este último se subdivide em forçado e fortuito. O caráter legal advém do fato de ser a lei a determinadora da relação condominial, como cita o art. 1.327 do Código Civil "O condomínio por meação de paredes, cercas, muros e valas regulou-se pelo disposto neste Código". A condição forçada do condomínio necessário se dá justamente na situação em que determinada coisa ou bem não pode ser dividida, como no caso da construção de muros e cercas, e será fortuito o condomínio quando estabelecida pela relação entre herdeiros quando da abertura do testamento para dar início ao processo da sucessão hereditária, sendo finalizado o condomínio ao término da partilha.

Para a relação condominial forçada ou fortuita também não é estabelecida a temporariedade de existência, sendo, pois, de caráter transitório ou perpétuo. O condomínio poderá ser exercido de forma pro diviso, para os bens que puderem ser divididos ou ainda, a contrário senso, pela forma pro indiviso, ocorrerá quando a coisa ou bem não puder ser dividida.

4.Direitos e deveres dos condôminos

Preleciona o art. 1.314 do Código Civil que "Cada condômino pode usar a coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la".

A cada um dos condôminos é permitida a livre utilização do bem ou coisa de acordo com a destinação a que foi proposta, não podendo alterar o modo como tradicionalmente é usada. Os demais condôminos também são proprietários e, sendo a coisa de uso comum, cada comproprietário possui sua parte ideal do bem, o que lhe garante exercer determinados direitos sobre a parte que lhe cabe. Pelo fato de a coisa ser de uso comum dos comproprietários, é que se faz primordial e necessária a vênia ou autorização dos demais condôminos para que elejam a destinação que melhor aprouver. Nesse quesito é que se considera, na doutrina, que não há a usucapião dos condôminos quando o condomínio for exercido na forma pro indiviso, justamente pelo caráter indivisível da coisa.

No artigo 1.314 do Código Civil há a possibilidade de cada condômino reivindicar a coisa que esteja em posse de terceiro. Em situações que exista determinada coisa sobre a posse de terceiros que não sejam herdeiros, pode o herdeiro demandar sobre os bens da herança. Ao condômino caberá a postulação de ação reivindicatória de posse contra terceiros, a qual versará sobre toda a coisa indivisa. No entanto, o condômino também terá que ser possuidor da coisa para requerer o direito de ser mantido na posse em caso de turbação; se houve o esbulho, poderá ser restituído e poderá ser segurado no caso de ocorrência de violência iminente (CC, art. 1.210).

Aos condôminos é também permitida a alienação do bem na medida da sua quota parte ideal, desde que ocorra a preempção ou preferência de venda aos demais condôminos. Novamente, se o bem a ser alienado for de caráter indivisível, todos os demais comproprietários deverão autorizar a venda, mas se por ventura ocorrer a venda sem a vênia dos demais consortes, a mesma poderá ser considerada nula, pois que da divisão do bem comum, o condômino não poderá alienar uma parte que não lhe cabia na divisão, devendo a sua quota parte coincidir plenamente com a que vendeu.

Os condôminos exercerão todos os direitos compatíveis com a indivisão, ficando tais direitos limitados à quota parte ideal de cada comproprietário, de modo a impedir aos demais comunheiros que de tal direito desfrutem indevidamente e de modo a impedir que sua posse seja violada. Caso não seja dado o direito de preferência, aquele que for preterido poderá realizar o pagamento em depósito do valor que corresponda ao bem num prazo de até seis meses (180 dias) e não ocorrendo o depósito nesse prazo ocorrerá a decadência do direito, em que será feita a contagem do prazo a partir do momento em que vier a saber da venda. Também é permitido dar o bem em garantia de hipoteca (nesse caso é o bem imóvel), devendo-se observar que não será permitido dá-lo em garantia na sua totalidade, mas apenas na quota parte ideal que lhe couber (Art. 1.420, § 2º CC). À quota parte de cada condômino serão relacionadas às devidas despesas que o bem trouxer como conservação e divisão, bem como dívidas que vierem a ser contraídas em virtude do bem, como os impostos.

A todos os comproprietários será permitido usar o bem de modo a manter a sua preservação, devendo contribuir para o custeio das despesas de manutenção do bem assim como outras despesas de interesse comum, como os impostos, o seguro, as licenças, as taxas municipais, a cultura, a colheita, as grandes reparações, o custeio de demandas com terceiros. Entretanto, por ventura o condômino se exima ao pagamento de dívidas das despesas da coisa comum, renunciando sua parte ideal, caberão aos outros condôminos adquirirem a quota parte ideal na proporção dos pagamentos que forem feitos. Caso não haja o condômino que proceda aos devidos pagamentos em atraso, o objeto comum será partilhado aos demais comunheiros em adimplência.

5.Administração do condomínio

Ao se considerar que a coisa ou bem condominial seja de uso impossível ou inconveniente, ocorrerá a venda ou locação da coisa. No entanto se os condôminos optarem que a coisa deva ser administrada, a maioria absoluta, por votação, escolherá o administrador e este poderá ser tanto um condômino como um terceiro estranho ao condomínio.O administrador será remunerado, ficando sob sua responsabilidade as atribuições compatíveis como as prestações de contas; se não houver oposição de nenhum condômino presume-se como representante comum. O administrador não poderá pedir usucapião da coisa, pois não possui ânimo de dono, salvo em situações extraordinárias, em que o aludido ânimo for demonstrado através de circunstâncias especiais.Serão atribuídos ao administrador os poderes de simples administração, não podendo praticar atos que exijam poderes especiais, tais como alienar a coisa, receber citações dentre outros; poderá, no entanto, alienar bens que se destinam à venda, como frutos ou produtos de propriedade agrícola.

Se existir a autorização de um dos condôminos para vender a coisa e os outros não se opõem, ocorrerá a venda da coisa, mas só não ocorrerá a venda se todos concordarem que não seja vendida. A administração e a locação da coisa comum ficarão a cargo da maioria; maioria essa calculada pelo valor dos quinhões e não pelo número de condôminos e que somente terão validade quando tomadas pela maioria absoluta. Nos casos de abuso de poder por parte da maioria, os condôminos dissidentes poderão ingressar ação em juízo para proteger o seu direito.No entanto, se não for possível alcançar a maioria absoluta, poderá qualquer um dos condôminos requerer que o juiz decida, mas terão que ser ouvidos os demais condôminos. Os frutos advindos da coisa comum poderão ser divididos na proporção dos quinhões, caso não exista estipulação em contrário ou estipulação de última vontade.

6.Extinção do Condomínio

O Código Civil de 2002, no seu art. 1.320, permite que seja possível extinguir o condomínio: "A todo tempo será lícito ao condômino exigir a divisão da coisa comum, respondendo o quinhão de cada um pela sua parte nas despesas da divisão".

Pela ocorrência de conflitos e desavenças poderá haver a extinção do condomínio e esse fator se dá em virtude da manutenção do funcionamento harmonioso do bem em comunhão. Tal divisão poderá ser requerida a qualquer momento, devendo, cada comproprietário, responder pelo devido quinhão e as devidas despesas que advirem da divisão da coisa. Se houver algum acordo para que não se proceda à divisão, o ajuste somente valerá por um prazo de cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior. Para os casos em que o doador ou testador estabelecer a indivisão, tal procedimento também terá validade de cinco anos, todavia, se algum dos interessados vier a apresentar motivos graves para que se extinga o condomínio, deverá fazer requerimento em juízo para que haja a divisão da coisa comum antes do término do prazo estabelecido de cinco anos. A divisão é o meio apropriado para extinguir o condomínio e torná-lo coisa divisível.

A extinção pode ser amigável ou judicial. Na extinção amigável será através de escritura pública, se todos os condôminos forem maiores e capazes. Se houver divergência ou se um deles for menor e não houver acordo, será necessária a divisão judicial. A divisão do condomínio terá as mesmas regras da partilha da herança (CC, arts. 2.013 a 2.022) e a ação de divisão é imprescritível (CPC, art. 967). Entretanto, se o estado de comunhão veio a cessar pela posse exclusiva de um dos condôminos, por lapso de tempo superior a quinze anos, consuma-se a prescrição aquisitiva e o imóvel não mais poderá ser objeto de divisão.

Condomínio Edilício

1.Origem

"Caracteriza-se o condomínio edilício pela apresentação de uma propriedade comum ao lado de uma propriedade privativa" (Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. v. V, p. 374). Os primeiros indícios de surgimento do condomínio edilício ou em edificações foram no direito romano, à época da Idade Média, em que já começava a surgir em meio à sociedade. Alguns textos acerca do assunto foram encontrados, todavia não muito claros, deixando, porém, certo entendimento de que já havia uma divisão jurídica e econômica do solo para os diversos proprietários, de modo a melhor utilizarem-no. Naquela época já havia determinada similitude das propriedades ao considerar as de hoje, mas somente no século XVIII é que foram desenvolvidas as primeiras propriedades em situação horizontal.

Algumas legislações cuidaram de regulamentar tal instituto, como ícone principal o Código Napoleônico, embora houvesse regulamentação pouco conveniente. A sociedade evoluía de tal maneira que o surto industrial causou grande aumento demográfico, fazendo as cidades e as sociedades se readequarem ao novo modo de vida que dali surgia, bem como um melhor aproveitamento dos espaços geográficos, iniciando-se aí as primeiras idéias de se construir prédios que possuíssem mais de um pavimento vertical ou piso, para que os proprietários pudessem ficar distribuídos de melhor forma. As sociedades clamavam mudanças. Embora de fato já existisse o instituto, o Brasil regulamentou-o não no Código Civil de 1916, havendo algumas legislações que primariamente fizeram algumas anotações, mas somente veio a ganhar ênfase com o advento do Código Civil de 2002 e a lei subsidiária de maior importância Lei n. 4.591/1964. De maneira mais atual descrita pela doutrina, o condomínio edilício é direito real, formado pela junção de propriedades individuais e propriedades comuns.

2.Elementos constitutivos - instituição; convenção; regulamento interno.

Aos condomínios edilícios são obrigatórias a existências do ato de instituição, da convenção e o regulamento ou regimento interno.

2.1.Ato de Instituição

A formação do condomínio se inicia a partir do momento do ato de instituição, que é declaração de vontade deliberativa por ato inter vivos ou mortis causa (testamento), devendo ocorrer o Registro no Cartório de Imóveis e devendo também especificar quais serão as devidas unidades individuais, estabelecidas pela quota parte ou fração ideal que será pertencente a cada condômino, assim como deverá constar a sua destinação. Tal instituição deliberativa de vontade se inicia pela destinação que o proprietário do edifício oferece, através de incorporação ou através de testamento. A instituição do condomínio por destinação do proprietário é quando o dono do edifício, ou seja, quem o constitui vende as unidades durante o período de construção ou depois de terminada a obra.

A instituição do condomínio deve seguir a forma do artigo 1332 do Código Civil, que dispõe: "Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial: I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremada uma das outras e das partes comuns: II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; III – o fim a que as unidades se destinam".

2.2.Convenção

A constituição do condomínio edilício é um documento escrito no qual se estipulam os direitos e deveres de cada condômino, que deverá ser subscrita pelos titulares de no mínimo, dois terços das frações ideais. Ela poderá ser feita por escritura pública ou por instrumento particular (CC, art. 1.334, §1º).A utilização do prédio é regulada pelo ato de convenção. Este por sua vez difere do contrato, pois, a convenção sujeita a todos os titulares de direitos sobre as unidades, ou quantos sobre elas tenham posse ou detenção, atuais ou futuros, caracterizando-o estatutária ou institucional. Enquanto o contrato se limita aos que o assinaram. Conclui-se, portanto que a convenção é uma lei interna da comunidade, destinada a regrar o comportamento não só dos condôminos, mas também de todas as pessoas que ocupem o edifício, na qualidade de seus sucessores, prepostos, inquilinos, comodatários etc. A convenção apesar de seu caráter de normativo não pode sobrepor-se à lei. A convenção regula a destinação das áreas de uso comum, como os jardins, piscinas, salas de reuniões etc.

O artigo 1.334 do Código Civil enumera as cláusulas obrigatórias na convenção: I – a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atendera às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio; II – sua forma de administração; III – a competência das assembléias, forma de sal convocação e "quorum" exigido para as deliberações; IV – as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores; e V – o regimento interno.

2.3.Regulamento Interno

O regulamento interno é um complemento a convenção e contém regras minuciosas sobre o uso das coisas comuns é colocado em quadros geralmente fixados no andar térreo, próximo aos elevadores ou à portaria. No regulamento interno encontram-se normas relativas ao cotidiano da vida condominial. A aprovação do regimento é feita por aprovação de dois terços dos condôminos e integra o estatuto condominial. Por ser um ato de deliberação coletiva, o regulamento do edifício é igualmente ato normativo.

3.Unidade autônoma x Áreas comuns

O artigo 1.331 do Código Civil explica que o condomínio é composto de áreas comuns e a áreas exclusivas. A unidade autônoma pode consistir em apartamentos, escritórios, salas, lojas, abrigos para veículos ou vilas particulares. Nenhuma unidade autônoma pode ser privada de saída para a via pública. A Lei n. 4.591/64 exige que cada uma tenha designação especial, numérica ou alfabética (arts. 1º, e 2º).Pode o proprietário de cada unidade gravá-la, cedê-la, alugá-la, sem que necessite de autorização dos outros condôminos (art. 4º da Lei n. 4.591-64).Diferente do condomínio comum, no condomínio edilício não tem preferência na aquisição, entretanto, se a mesma unidade pertencer a dois ou mais proprietários, aplicam-se as regras do condômino comum. No entanto o art. 1339, §2º, do Código Civil permite ao condômino alienar parte assessoria de sua unidade imobiliária a outro condômino, só podendo fazê-lo a terceiro se essa faculdade constar do ato constitutivo do condomínio, e se a ela não se opuser a respectiva assembléia geral[1].

4.Direitos e Deveres dos Condôminos

Conforme o art. 1.335 do Código Civil é direito dos condôminos: usar, fruir e livremente dispor das suas unidades; usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não excluas utilização dos demais compossuidores; votar nas deliberações da assembléia e delas participarem, estando quites.

Nesse aspecto, o Código Civil teve por base o art. 19 da Lei n. 4.591, de 16-12-1964, a qual versa e regulamento os condomínios em situação horizontal, apresentando de forma taxativa, quais são os direitos e os deveres dos comproprietários, como o direito de propriedade, devendo-se deixar ressalvada a regulamentação das partes ou áreas de uso comum, sendo estas disciplinadas pelo termo da convenção condominial e jamais deverá exceder aos direitos previsto no Código Civil. Ainda é garantido a cada condômino o direito à votação nas assembléias, a participação das deliberações, a candidatura e a cargos ou funções administrativas do condomínio, bem como ser eleitos para tais funções. Frise-se o peso do voto de acordo e proporcional à fração ideal da unidade, exceto se nos casos Convencionados, houver disposição diferente e se tais direitos existem desde que estejam adimplentes com suas devidas obrigações de pagamentos das despesas condominiais que lhes competem (DINIZ, Maria Helena. FIÙZA, Ricardo e outros. NOVO CÓDIGO CIVIL COMENTADO).

O art. 1.338 da lei permite que os condôminos de edifícios possam alugar a sua vaga da garagem, porém deverão dar preferência para os outros condôminos, posteriormente aos inquilinos e por último para terceiros estranhos à relação condominial. Já o art. 1.339 cita que somente será permitida a venda para terceiros estranhos à relação condominial se houver previsão do evento na Convenção. Os condôminos não podem realizar obras nas suas unidades que possam comprometer as estruturas e segurança do prédio e não poderão alterar a fachada do local (art. 1.336). Caberá também o pagamento de multas e juros moratórios previsto na lei ou, não havendo, os que foram estipulados pela Convenção e no Regulamento Interno, no que diz respeito a atrasos no pagamento de despesas, e a infração de normas de convivência. (CC, arts. 1.334, 1.336 e 1.337).

5.Administração e Despesas

A administração do condomínio fica sob a responsabilidade do síndico, cujo mandato pode ser exercido por dois anos. A reeleição é permitida pelo conselho fiscal e pelas assembléias gerais, que usarão como diretriz a convenção e o regimento interno. Os artigos 1.347 a 1.356 do Código Civil regulam a administração do condomínio. Para ser síndico não é necessário ser condômino, fica a cargo de a assembléia escolher o mesmo, podendo ser pessoa física ou jurídica. No caso de pessoa jurídica, trata-se de empresas especializadas na administração de condomínios, tanto a pessoa física como a pessoa jurídica somente será remunerada se estiver regularmente previsto.O síndico representará os interesses comuns dos condôminos, ou seja, o interesse da coletividade, podendo receber citações e representar a mesma. Representando o condomínio ativa ou passivamente, em juízo ou fora dele. Será fiscalizado pela assembléia, pois o síndico administra bens alheios, devendo prestar contas anualmente, ao final do mandato ou sempre que exigidas (CC, art. 1.348, VIII). Se as informações forem imprecisas poderão, os condôminos, exigir que sejam prestadas diretamente a eles.

Há ainda a figura do subsíndico, que também será eleito pela assembléia no intuito de auxiliar o síndico em suas funções e eventualmente substituí-lo quando necessário. A assembléia ainda poderá constituir um representante para determinado ato sem retirar todos os poderes do síndico. Em uma obra no condomínio que necessite da contratação de um engenheiro, a assembléia poderá nomear um condômino engenheiro para negociar a obra. A lei não determina quorum especial para a assembléia aprovar a transferência de poderes proposta pelo síndico. Se o síndico não apresentar as contas à assembléia ocorrerá violação grave a um dos deveres do mesmo conforme o Regulamento Interno, e não é necessário que se prove má-fé ou prejuízo aos condôminos; a violação desse dever provocará a destituição do cargo e o síndico responderá civil ou penalmente perante o condomínio. Somente não ocorrerá a destituição do cargo de síndico se for provado que houve justo motivo para a ocorrência da falta grave, como por exemplo, problemas de saúde ou qualquer que seja outro impedimento de cunho relevante.Necessário se faz a convocação de todos os condôminos a participarem da sessão ordinária anual para a discussão de assuntos atinentes à manutenção condomínio, sob pena de anulação do ato se algum condômino não for convocado.

6.Extinção

O condomínio edilício, diferentemente do condomínio não poderá ser extinto, devido á característica da indivisibilidade da coisa comum, seja ela por convenção de assembléia geral entre os condôminos ou de forma judicial. Entretanto, existem motivos que podem levar à extinção do condomínio, como por exemplo, nos casos de forças naturais como a destruição do imóvel por força maior advinda de chuvas, terremotos, incêndios. Há também os casos que a extinção pode se dá por demolição voluntária do prédio em virtude de fatores e causas urbanas e arquitetônicas e também pelas autoridades públicas, em razões de segurança ou condições insalubres. Poderá ocorrer a desapropriação do edifício e ocorrendo, todos os condôminos serão indenizados pela sua devida quota parte ou fração ideal, ou seja, na medida proporcional ás suas unidades imobiliárias. Havendo a desapropriação de apenas parte do edifício, serão indenizados aqueles que foram expropriados de suas propriedades. Se houver a confusão na aquisição, ou seja, quando uma mesma pessoa adquire todo o prédio, o próprio condomínio é extinto.

REFERÊNCIAS

Fontes Pesquisadas

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Direito das Coisas. v. IV. 6ª ed. São Paulo. Saraiva, 2009.

COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Civil. Direito das Coisas. v. IV. São Paulo. Saraiva. 2006.

ROSENVALD, Nelson. FARIAS, Cristiano Chaves de. Direitos Reais. 6ª ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris 2009.

A conceituação jurídico-legal da expressão "Meio Ambiente"

"O conceito de meio ambiente é unitário, na medida que é regido por inúmeros princípios, diretrizes e objetivos que compõem a Política Nacional do Meio Ambiente. Entretanto, quando se fala em classificação do meio ambiente, na verdade não se quer estabelecer divisões isolantes ou estanques do meio ambiente, até porque, se assim fosse, estaríamos criando dificuldades para o tratamento da sua tutela.

Mas exatamente pelo motivo inverso, qual seja, de buscar uma maior identificação com a atividade degradante e o bem imediatamente agredido, é que podemos dizer que o meio ambiente, apresenta pelo menos 04 significativos aspectos. São eles:

1) natural;
2) cultural;
3) artificial e
4) do trabalho.

Desta forma, não estamos pretendendo fazer um esquartejamento do conceito de meio ambiente. Ao contrário, apenas almejamos dizer que as agressões ao meio ambiente (rectius= bem; ambiental= proteção da vida com saúde) podem se processar sob os diversos flancos que o meio ambiente admite existir.

Neste diapasão, releva dizer que sempre o objeto maior tutelado é a vida saudável e, se é desta forma, esta classificação apenas identifica sob o aspecto do meio ambiente (natural, cultural, trabalho e artificial) aqueles valores maiores que foram aviltados.

Aliás, como já tivemos oportunidade de salientar, esta divisão do meio ambiente não é de lege ferenda, vez que de lege lata está presente no Texto Constitucional. Portanto, para fins didáticos e de compreensão, podemos dizer que o meio ambiente recebe uma tutela imediata e outra mediata. Mediatamente, seria o próprio artigo 225 "caput", que determina o conceito de meio ambiente, bem ambiental, o direito ao meio ambiente, os titulares deste direito, a natureza jurídica deste direito, princípios de sua política (PNMA junto com a lei 6.938/81), etc. Assim, bastaria esta norma para que já se efetivasse por completo o direito em tela. Todavia, o legislador constituinte não parou por aí, já que procurou, por via destas divisões, que não são peremptórias ou estanques, alcançar a efetiva salvaguarda deste direito, fazendo, pois, o que didaticamente denominamos de tutela imediata."

Meio ambiente artificial

Por meio ambiente artificial entende-se aquele constituído pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos equipamentos públicos (espaço urbano aberto). Assim, vê-se que tal "tipo" de meio ambiente está intimamente ligado ao próprio conceito de cidade, vez que o vocábulo "urbano", do latim urbs, urbis significa cidade e, por extensão, os habitantes da cidade. Destarte, há de se salientar que o termo urbano neste sede não está posto em contraste com o termo "campo" ou "rural", já que qualifica algo que se refere a todos os espaços habitáveis, "não se opondo a rural, conceito que nele se contém: possui, pois, uma natureza ligada ao conceito de território".

No tocante ao meio ambiente artificial podemos dizer que, em se tratando das normas constitucionais de sua proteção, recebeu tratamento destacado, não só no artigo 182 e segs. da CF, não desvinculado sua interpretação do artigo 225 deste mesmo diploma, mas também no art. 21, XX, no art. 5º, XXIII, entre outros.

Portanto, não podemos desvincular o meio ambiente artificial do conceito de direito à sadia qualidade de vida, bem como aos valores de dignidade humana e da própria vida, conforme já fizemos questão de explicar. Todavia, podemos dizer, para fins didáticos, que o meio ambiente artificial está mediata e imediatamente tutelado pela CF. Mediatamente, como vimos, a sua tutela expressa-se na proteção geral do meio ambiente, quando refere-se ao direito à vida no art. 5º, caput, quando especifica no art. 225 que não basta apenas o direito de viver, mas também o direito de viver com qualidade; no art. 1º, quando diz respeito à dignidade humana como um dos fundamentos da República; no art. 6º, quando alude aos direitos sociais, e no art. 24 quando estabelece a competência concorrente para legislar sobre meio ambiente, visando dar uma maior proteção a estes valores, entre outros. Assim, neste diapasão, de modo didático em relação ao meio ambiente artificial, poderíamos dizer haver uma proteção mediata. Reservaríamos a proteção constitucional imediata do meio ambiente artificial aos artigos 182, 21, XX e 5º, XXIII.

Ao cuidar da política urbana, a CF/88, invariavelmente, acabou por tutelar o meio ambiente artificial. E o fez não só voltada para uma órbita nacional como também para uma órbita municipal. Partindo do maior para o menor temos o art. 21, inciso XX:

"Compete a União:(...)

XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos".

Tal competência da União terá por fim delimitar as normas gerais e diretrizes que deverão nortear não só os parâmetros, mas principalmente os lindes constitucionais da política urbana que os Estados e Municípios deverão possuir. Neste caso diz tratar-se de uma política urbana macroregional.

Todavia, em sede municipal, temos o artigo 182 da CF, que acaba por trazer a própria função da política urbana, como se vê:

"A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em Lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes".

Percebe-se que o próprio Texto Constitucional alude à existência de uma lei fixadora de diretrizes gerais e, ademais, desde já, estabelece o verdadeiro objetivo da política de desenvolvimento urbano, qual seja, o desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus habitantes. Invoca-se, de plano, que em sendo a cidade entendida como o espaço territorial onde vivem os seus habitantes, que inclusive o direito de propriedade deverá ser limitado, no exato sentido que deverá atender às suas funções sociais, como bem esclarece o art. 5º, XXIII da própria CF. Na verdade, o que ocorre é que em sede de direito à vida, que é o sentido teológico dos valores ambientais, matriz e nuclear de todos os demais direitos fundamentais do homem, não há que se opor outros direitos. Ao revés, todos os demais direitos surgem da própria essência do estar vivo. Exatamente porque relacionado com o objetivo maior - vida - , a tutela do meio ambiente - onde se insere o artificial - há que estar acima de quaisquer outras considerações a respeito de outras garantias constitucionais como: desenvolvimento, crescimento econômico, direito de propriedade, etc. Isto porque, pelo óbvio, aquela é a essência e pressuposto de exercício de qualquer direito que possa existir, e, neste ponto, a tutela ambiental, por possuir a função de instrumentalizar a preservação de tal direito, deve, inexoravelmente, sobrepor-se aos demais. Aduz-se, por exemplo, esta conclusão, quando de uma rápida leitura do artigo 170, que coloca a proteção ao meio ambiente como princípio da ordem econômica, ou ainda, mais expressa e diretamente, quando no artigo 5º, XXIII, atrelado à proteção do direito à vida estabelecido no caput, determina que a propriedade deverá atender a sua função social.

Com relação ao artigo 182, podemos desde já destacar que não se trata simplesmente de uma regra de desenvolvimento urbano mas também de estabelecer uma política de desenvolvimento, ou seja, assume fundamental importância na medida que deve estar em perfeita interação com o tratamento global reservado ao meio ambiente e a defesa de sua qualidade. Destarte, significa ainda que o desenvolvimento urbano deverá ser norteado por princípios e diretrizes que orientem a sua consecução, ou seja, por se tratar de matéria afeta ao meio ambiente, são estes, e não outros princípios, que deverão nortear sua implementação. Aliás, outro não é entendido quando de uma análise dissecada da norma in baila.

Dois são os objetivos da política de desenvolvimento urbano:

a).-pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
b).-garantia do bem estar de seus habitantes.

a) em se tratando de desenvolvimento, que há de ser pleno, das funções sociais da cidade devemos nos reportar, inicialmente, ao art. 5º, caput, quando estabelece que todos possuem direito à vida, segurança, liberdade, igualdade e prosperidade; e, posteriormente ao art. 6º da CF, que estabelece e garante a todos os direitos sociais à educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, maternidade, infância, assistência aos desempregados, entre outros, e por fim, ao art. 30, VIII, que diz ser competência do Município, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.57 Tudo isso, ligado ao fato de que possui o Município a competência suplementar residual (art. 30, I e II) em face das matérias estabelecidas no artigo 24, I, V, VI, VII, VIII, XII, XV, nos faz notar que a função social das cidades está ligada às normas citadas acima e, portanto, ao próprio artigo 225, de forma que o direito à vida com saúde, com lazer, com segurança, com infância, com a possibilidade de maternidade, com direito ao trabalho, com direito à propriedade, etc., devem ser condições sine qua non da própria existência da cidade. O não atendimento desses valores implica em dizer que a cidade não cumpre o seu papel. Num sentido reverso, podemos ressaltar que, por se tratar de uma obrigação do Poder Público, a execução deste programa de desenvolvimento urbano, como bem diz o artigo 182, é um direito da coletividade municipal. O desatendimento desses preceitos implica em impor-se ao Poder Público a responsabilidade que daí decorre. Apesar da inequívoca conclusão a que chegamos, isso não elide o dever também da coletividade de preservar e defender o meio ambiente urbano, já que tal regra é orientada pelo artigo 225, e assume o caráter de norma geral.

b) com relação a garantia do bem estar dos seus habitantes, vale gizar que tal finalidade e objetivo da política de desenvolvimento urbano, assume o papel de um "plus" em relação ao desenvolvimento da função social das cidades. Isto porque não basta simplesmente que o Poder Público, na execução da referida política alcance os ideais elencados no parágrafo anterior, mas que, principalmente, estes valores traduzam e alcancem em relação aos seus habitantes, o patamar elevado de bem-estar. Percebe-se que com isso, não se cria um limite fixo de direito ao lazer, à saúde, à segurança, etc., justamente porque é tudo isso somado a sensação de bem-estar de seus habitantes. Não procede qualquer crítica ao conceito jurídico indeterminado, justamente porque a sua função é de buscar um "plus" na execução da política urbana. Ao não se criar um patamar mínimo de garantia de valores sociais, está se exigindo, sempre, de forma permanente, a busca pelo Poder Público destes valores sagrados à coletividade. Outra consideração não menos importante, diz respeito ao uso do termo habitante que, agrega só aquele que é domiciliado ou residente na cidade, mas a qualquer indivíduo que esteja naquele território.

57. Conforme se vê, o Poder Público Municipal recebeu do Texto Constitucional o poder de promover o adequado ordenamento territorial (art. 30, VIII) e o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantia do bem-estar dos seus habitantes (art. 182 da CF). de acordo com o planejamento e controle do uso do parcelamento e da ocupação do solo urbano, observadas as diretrizes de Lei Federal. O uso do solo urbano e funções sociais da cidade estão atrelados, já que é naquele que esta se projeta, externando-se em formas e ocupação do seu uso para fins residenciais, industriais, comerciais, institucionais, religiosos, turísticos, recreativos, viário, etc. Ademais, neste ponto, o Zoneamento Urbano, como uma das formas de instrumentalizar a proteção instrumental urbana, assume sobranceira relevância quando deduzimos que um dos seus objetivos não é outro senão a proteção da própria vida da população e a busca da sua qualidade, na medida em que separa as atividades incômodas em áreas de uso exclusivo, de modo a preservar o meio ambiente urbano de emissão de poluentes. Apesar de paliativa, é medida que não pode ser dispensada. Tal como o Zoneamento, não pode ser prescindido, mormente em caso de poluição oriunda de lixo no solo urbano, o manejo do solo urbano. Neste ponto, acertadamente posiciona-se José Afonso da Silva (Direito Ambiental Constitucional, pág. 76): "O solo urbano se destina ao exercício das funções sociais da cidade, basicamente destinado ao cumprimento das chamadas funções elementares do urbanismo: habitar, trabalhar, circular e recrear. Seu manejo é função do plano diretor municipal e de outras normas de uso e controle do solo, tal como consta da Constituição Federal, segundo a qual é da competência dos Municípios promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII), cumprindo também ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova o seu adequado aproveitamento, sob sanções referidas no art. 182, § 4º da mesma magna carta. (...) A exigência da remoção dos resíduos sólidos compreende a adequada destinação do lixo, vedação de depósito de lixo a céu aberto, a proteção dos mananciais, a vedação do plano de parcelamento do solo urbano em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde, em terrenos com declividade igual ou superior a 30% em terrenos onde as condições geológicas desaconselhem edificação, e, em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições suportáveis (Lei 6.766/79, art. 3º, parágrafo único)".